Talvez eu não saiba me expressar com palavras como imaginava. É bem provável que eu não transmita para a folha de papel tudo o que sinto neste momento tão singular de minha vida. De qualquer forma, espero que este texto seja o meio pelo qual eu possa testemunhar o cuidado de Deus sobre mim e minha família.
Há alguns meses, durante uma ultrassonografia, eu e minha esposa descobrimos que nossa filha era, nos dizeres da médica, um “feto incompatível com a vida extrauterina”. O prognóstico era claro: um grave problema renal, com consequências para o desenvolvimento dos pulmões e chances de interferência no funcionamento do coração. A morte era certa. Poderíamos tentar uma autorização judicial para o aborto, mas optamos pela vida. Estávamos na 22ª semana da gestação e nós não admitíamos a hipótese de tocar na vida de Alice.
Unidos em amor, eu e minha esposa fomos abraçados por uma igreja que, de joelhos, clamou pela cura plena. As orações foram tão intensas que os conhecidos se tornaram amigos e que as palavras se transformaram em lágrimas. Alice se desenvolvia em um ambiente inóspito: pouco líquido amniótico, dois rins multicísticos... Os médicos não compreendiam como um bebê conseguia crescer e ganhar peso em condições tão precárias. Os exames constatavam os problemas, mas a nossa esperança era de cura, de milagre. Afinal de contas, Alice alcançou até a 37ª semana de gestação firme e forte. Em todo esse tempo, o agir de Deus permitiu que nossa pequena Alice continuasse viva.
Na semana passada, precisamente na quarta-feira, Alice decidiu nascer. Era a aurora de um dia singular. Deus, na sua infinita misericórdia, preparou todo o contexto para o nascimento: o hospital, os nossos corações. Preparou Alice. Foi então que, às 17:59h, eu e minha esposa ouvimos o choro daquele bebê tão esperado. Confesso que meu coração bateu mais forte ao ver aqueles cabelos ruivos anunciando o milagre. A médica que a tinha nas mãos me olhou nos olhos e confirmou a gravidade dos problemas de saúde. Levaram nossa filha para a Unidade de Tratamento Intensiva/UTI sob a promessa de que tentariam salvá-la. E tentaram. Mas a possibilidade de morte era iminente. Não conseguíamos dormir. Foi então que pedi a Deus que me desse a oportunidade de orar com minha filha, de estar com ela, de senti-la comigo.
A graça de Deus foi derramada sobre Alice. Ela enfrentou a madrugada e continuou viva. Na quinta-feira pela manhã eu e minha esposa fomos até a UTI e ali tivemos a oportunidade de tocar em nossa filha, de orar com ela, de dizer o quanto ela era importante para nós. Foi nesse momento que pensei em Deus e que refleti sobre a sua nobreza. Ele foi capaz de dar seu filho amado por nós, e eu não conseguia fazer o mesmo. Eu não conseguia devolvê-la ao Senhor, entregá-la em seus braços de amor.
Naquele mesmo dia eu a registrei no cartório: Alice Campos Rodrigues. No retorno do cartório, sentei-me diante da minha esposa. Era final da tarde de quinta-feira. Foi então que recebi a ligação da médica da UTI me informando acerca da morte da minha filha. Eu chorei copiosamente, mas estava certo de que todas as orações foram atendidas. Alice viveu 22 horas. Tempo suficiente para que eu pudesse elaborar este testemunho e compartilhar com meus amigos e irmãos a felicidade por ter sido pai pela segunda vez. Deus me deu a oportunidade de orar com minha filha nos braços, de chorar com ela, de agradecê-la por ter sido instrumento nas mãos do Pai. Com ela aprendi a importância da oração coletiva, da união da comunidade; reconheci a fina linha que nos separa da morte e entendi, na pele, que o dom da vida vem de Deus. Alice mexeu com o meu casamento, com a minha família, com a minha igreja, com a minha alma. Alice trouxe um sentimento de amor inexplicável. No silêncio de seu choro eu pude perceber que o sucesso de uma oração não está na obediência de Deus à nossa vontade, mas de nossa submissão à vontade soberana dEle.
Alice foi enterrada na sexta-feira, dia 19 de janeiro. Uma cerimônia simples, na verdade um culto. Oramos, cantamos e nos despedimos da pequena Alice. O que fica é um misto de dor e paz. A dor da perda, que não deixa de ser um sentimento egoísta de nossa parte, e a paz, que nos é trazida pelo Espírito Santo. Agradeço mais uma vez a todos os irmãos pelas orações e pelo carinho que demonstraram durante todo esse tempo. Vocês nos fizeram compreender que Alice é fruto do amor de Deus e que a perda, por mais dolorosa que seja, é menos amarga quando se confia nEle.
(Texto enviado por e-mail pelo pai Leonardo Rodrigues)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Palavras de apoio, gotas de carinho. . .